Um artigo para quem tem chefes atormentados

por Carlos Eduardo Dalto – Falar sobre liderança é navegar na imensidão do mar chamado “comportamento humano”. E, em se tratando de comportamento, são tantas as possibilidades quanto tomar um barco e ficar à deriva em alto mar. Mas, vamos observar um aspecto que ganha relevância nas relações entre líderes e liderados: o que fazer e como reagir se seu chefe é um atormentado?

Pergunta difícil essa, por tantos vieses envolvidos. A começar pelo simples fato de ele ser seu superior hierárquico e, em teoria (e, principalmente, na prática), detentor de poder. Também, porque é preciso se aprofundar nas entranhas desse comportamento, que obscurece a mente de muitos líderes. São pessoas que se julgam superiores e autossuficientes. Utilizam-se do emprego de prepotência e moralismo e se acham onipotentes. São repletos de dogmatismos, com verdades inquestionáveis.

Antes de prosseguir, vou exemplificar o que é um comportamento que denominei de atormentado, embora as palavras acima o qualifiquem muito bem. No filme Duas Vidas, o personagem interpretado por Bruce Willis é um empresário bem sucedido, na casa dos quarenta e poucos, que faz uso abusivo da prepotência e da arrogância. Quase sem amigos e abandonado pela esposa, mal fala com sua família e dedica grande parte de seu tempo ao trabalho.

Extremamente exigente e durão com seus subordinados, jamais pede ou aceita ajuda. Sua vida de “homem bem sucedido” é virada de cabeça para baixo, no entanto, quando surge à oportunidade de se encontrar consigo mesmo quando tinha 8 anos de idade. A chance de redescobrir o garoto doce que era o despertou para a capacidade de fazer contato com suas próprias emoções e de questionar a relação emocional versus relacional.

Pois bem, comecemos, por esse personagem, a responder ao questionamento do título desse artigo. Se você se vê diante de um chefe como o empresário do filme, primeiramente, é preciso entender que esses comportamentos fazem parte de personalidades excessivamente conduzidas por defesas, cunhadas em algum momento de suas vidas. São comportamentos baseados em angústia e profundos transtornos ansiosos, que formam uma “couraça protetora”. No caso do personagem do filme, os traumas decorrentes da perda da mãe, aos oito anos.

Segundo, essa angústia e ansiedade promovem como dito acima, conflitos e vazios existenciais na mente do “líder atormentado”. A capacidade para fazer julgamentos imparciais é substituída pelo moralismo. A função de indagar, questionar e dialogar é substituída por pensamentos pragmáticos e dogmáticos, de caráter eminentemente autoritário. Frequentemente, fazem uso de clichês e fundamentalismos – “Eu sei tudo.” “Somente eu tenho razão!”

Certamente, neste momento, passa por sua cabeça a pergunta: “Terei de ser terapeuta do meu chefe?” A resposta é um estrondoso não! São conflitos dos quais ele próprio precisa tomar consciência e para os quais necessita buscar meios para lidar. Entretanto, reuni alguns conselhos, de forma prática, para você ter uma relação mais satisfatória diante de tais situações.

Ajude-o a pensar

Estimule seu chefe a navegar por mares nunca antes navegados. Por meio do recurso de indagações, motive-o a fazer reflexões e a construir correlações de fatos. O uso de perguntas estrategicamente formuladas ajuda a desfazer negações, convicções e resistências e dá lugar a um senso crítico mais apurado. Ajude-o a clarificar como os outros o veem em detrimento de como ele se vê.

Crie ressignificados

Substitua comportamentos passivos ou agressivos (os seus, que possui um chefe atormentado) pela dialética. Chefes atormentados são repletos de verdades absolutas e inquestionáveis e buscam plateia para impor seus pensamentos – eles preferem ser rodeados por submissos ou estressadinhos. Nessas situações, oponha às verdades do seu chefe outras possibilidades de pensar, outros vértices de observação, de forma a criar novos insights – novas formas de enxergar os fatos. Esse processo é importante para criar ressignificados de antigas e penosas teses na mente de seu chefe.

Conheça suas próprias emoções

A capacidade para reconhecer e controlar sentimentos é fundamental para você ter uma relação satisfatória com esse chefe. Essas aptidões emocionais de autoconsciência e autocontrole o faz tomar decisões de forma mais acertada e diminui sua irritabilidade e ansiedade.

Chefes “pele fina” e “pele grossa”

David Zimerman, renomado psicoterapeuta de grupo, distingue dois tipos psicológicos, opostos, que merecem referências nesses questionamentos acerca de comportamentos na liderança. Os primeiros são caracterizados por líderes supersensíveis, melindráveis e com extrema vulnerabilidade de autoestima. Utilizam basicamente do recurso da fraqueza para a manutenção do poder. Foram denominados de “pele fina”. Já os segundos, denominados de “pele grossa”, são os arrogantes, pouco acessíveis, com constantes atitudes defensivo-agressivas e de controle.

Sua atitude diante desses dois tipos deve ser diferente. Os chefes “pele fina” precisam sentir-se seguros, sem, no entanto, dar ênfase excessiva aos aspectos derrotistas, que eles supervalorizam. Mostre que as antigas feridas, malcicatrizadas, podem tomar outra dimensão. Já os “pele grossa” precisam tomar consciência de que esse falso “eu” por eles criados é, por si só, autodestrutivo. Aconselho, nesses casos, uma postura firme. Não se deixe envolver pelos ataques que eles comumente empregam. Se as circunstâncias permitirem, mostre que um chefe “pele grossa” encobre outro, extremamente “pele fina”.

Seja tolerante

Outro artifício de que esses chefes lançam mão, constantemente, são agir de forma desdenhosa e denegridora de seus subordinados, especialmente os mais próximos. Nesses casos, é indispensável que haja certa tolerância, mesmo que transitória, em relação à sua agressão ou falsidade.

Por esse emaranhado de fatores envolvidos que, resumidamente, apresentei, faz-se necessário que você tenha a capacidade (e a paciência) de fazer com que seu chefe “converse consigo mesmo”. É de fundamental importância que ele conviva e dialogue com seu lado atormentado e não-atormentado, para, aí sim, adquirir condições de observar e administrar sua personalidade. Aguentar firme o despotismo do chefe e não se abater pelos seus comentários denegridores são competências fundamentais para lidar com um chefe assim. Lembre-se da célebre frase de Daniel Golleman: “a arte do relacionamento é, em grande parte, a aptidão de lidar com as emoções dos outros”.

Carlos Eduardo Dalto é Consultor Sênior do Instituto MVC em Liderança, Gestão de Pessoas e Técnicas de Comunicação.

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